QUE SAÚDE SE DIFUNDA SOBRE A TERRA

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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Violência aqui, ali, lá.

Violência aqui, ali, lá...
                                                                                                                                  Igor Damo
Gosto de estar em determinados lugares onde há frequentemente a presença de jovens. Algumas vezes sou convidado por eles, outras vezes os frequento por conta própria. As próximas linhas são fruto de minha presença em alguns destes espaços.
Primeiro fato. Em uma noite enluarada, já um pouco tarde, resolvi sair de casa para tomar sorvete. Ao chegar à sorveteria, sentei à mesa, pelo lado de fora, próximo da calçada. Durante alguns minutos fiquei sozinho, até que um jovem me cumprimentou e parou ao meu lado. Sentou-se e começou a conversar baixinho. Disse-me: “Lá em casa está feio. Acabamos de brigar. Por acaso tu tens um ‘bagulho’? Senão terei que subir o morro”. Fiquei inseguro, pois não o conhecia. Espontaneamente falei que não poderia ajudá-lo. O rapaz naturalmente agradeceu e continuou sua caminhada. Após este episódio, certo dia, o avistei no meio da assembleia, durante uma celebração eucarística. Depois disso, nunca mais o vi. Fico a imaginar se ainda vivencia a violência em seu lar e se tenta superá-la fumando maconha.
Segundo fato. Após um tempo, mudei-me de cidade. Como viajava para visitar escolas e dar formação às lideranças de Igreja, costumeiramente saía cedo de casa. Uma manhã, por volta das cinco horas, quando abri o portão da garagem, tive uma surpresa. Escutei um barulho. Olhei no retrovisor do carro e avistei um jovem “dando murros” no vidro traseiro. No momento pensei ser um assalto. Contudo, pedindo carona perguntou-me se eu poderia levá-lo para casa; ele estava com medo de chegar só e “receber gancho”. Descobri que a casa, à qual se referia, era de recuperação de dependentes químicos. Percorri aproximadamente 10km até o local. Como ele estava alcoolizado, perguntei por que bebia. Contou-me, então, que começou a beber após ter sido demitido do trabalho. Disse-me também: “Seguinte Chefe! Durante o tratamento fico nervoso, tenho vontade de matar, então fujo para tomar umas”.
Terceiro fato. Este aconteceu em plena Sexta-Feira Santa. Após a procissão, ao iniciar a reflexão na igreja, um jovem, alcoolizado, depois de ter-me ouvido proferir a palavra pobre, gritou: “Eu, padre, sou o pobre aqui”. Seu grito silenciou a todos, principalmente a mim. De certa forma, “tirou-me o tapete”. As lideranças, assustadas, levantaram-se para retirá-lo de dentro da igreja. Porém, pedi para que o trouxesse até mim. Imaginei: “Hoje este cara vai fazer a homilia em meu lugar”. E assim aconteceu: Aproximei o microfone de sua boca e pedi se queria falar algo. Com dificuldade, disse: “Gosto de vocês, da Igreja, sou gente boa, vamos bater palmas para Jesus”. Sinceramente, as pessoas esperavam que o jovem pronunciasse “abobrinhas”. Interessante! O povo acabou dando uma salva de palmas.  A partir daquele dia, levo como lembrança o jovem violentado nos seus direitos de expressão; ele buscou ser ouvido em plena celebração da paixão e morte de Cristo.
Quarto fato. Estava trabalhando a temática da violência em uma escola. Ao encerrar o trabalho, uma mulher me parou no corredor dizendo que já havia ouvido falar de mim, me conhecia e gostaria de um favor. Pediu para que conversasse com seu amigo. Fiquei um pouco tímido, mas acabei agendando hora para ouvir o rapaz, em uma sala da escola. Sinceramente não acreditava que ele viria conversar, no entanto apareceu. Era um jovem deprimido e pensava em suicidar-se. Sentia-se incapaz de se vestir bem, de se achar bonito e de agradar a pessoa amada. Encontrava-se, de fato, triste. Motivo do abatimento: o fim do noivado.  Evidentemente, o fim do namoro tinha outras causas, no entanto, para o jovem, isto é que pesava: não ter moto para passear com a namorada e ter pouco dinheiro para estar na moda. Pessoalmente, não acreditava em uma situação assim. Como um jovem, com caminho longo para percorrer, carregava um sentimento de rejeição tão forte, a ponto de querer tirar sua própria vida? Pensava, sim, em suicídio porque o namoro não havia dado certo, não tinha moto e não conseguia ser feliz com as roupas que usava.
É realmente complicado! O jovem é violentado discretamente.
Quinto fato. Certo dia fui convidado para participar de um baile de formatura, dos formandos do terceiro ano do Ensino Médio. O salão estava lotado de adolescentes, jovens, famílias, enfim, de lideranças da comunidade. A festa estava boa. O bate-papo com a gurizada, melhor ainda. Os alunos estavam contentes. Embora eu não estivesse na festa para fazer análises, chamou-me a atenção a camiseta dos alunos do “terceirão”. Ela tinha cor verde e na estampa o slogan de um famoso refrigerante. Aproximando-me de um rapaz, disse a ele: É difícil para os jovens arrecadar dinheiro para formatura. Eles têm que fazer promoção e ainda necessitam de patrocínio. Aí tive a surpresa, quando ele afirmou: “Não é patrocínio cara. Alguém sugeriu à turma e todos aceitaram utilizar esta camiseta”. No momento pensei o que poderia levar alunos de terceiro ano, prontos para prestar vestibular, a serem “outdoors ambulantes”? Aí lembrei! A marca de refrigerante na camiseta dos jovens formandos patrocinava, naqueles dias, um programa de grande audiência na televisão.
Estes poucos exemplos, espero que ajudem você a refletir e lembrar-se de situações semelhantes vividas no cotidiano, nos estádios, no trânsito, nas escolas, nas festas. Existem milhares de situações que fazem despertar o desafio de discutir sobre a violência, especialmente na vida dos jovens.
As situações de violência envolvem a juventude de hoje de maneira exacerbada.  A tendência é de criminalizar a juventude. Há a necessidade de perceber como, em muitos casos, os jovens são vítimas e, quando transgredidos, precisam ser orientados.
Percebamos! A juventude de um jeito ou outro está sendo exterminada aqui, ali, lá. 

Um comentário:

  1. Olá Igor, que experiências hein! Desafiadoras... vejo através desses seus comentários muito do que é a nossa sociedade hoje, não foje disso. E principalmente atingindo a juventude. É preciso muito trabalho para impedir ou reverter essa ideia que hoje é imposta sobre nossos lares.
    Grande abraço. Parabéns pelo Blog.
    Arlei Orso.

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